12/19/2023

Entrevista IPP: "A formação e a investigação respondem à necessidade de aceleração da transição energética"

De olhos postos no futuro, o Institito Politécnico de Portalegre (IPPortalegre) tem desenvolvido novos abordagens para investigar e desenvolver fontes sustentáveis de energia para o futuro. Fique a conhecer a aposta do instituto no ensino superior nesta entrevista com Luiz Rodrigues, Professor Adjunto e Coordenador da Licenciatura em Engenharia de Produção de Biocombustíveis.

Como têm investido nas ciências/áreas de inovação para o futuro?

O IPPortalegre tem procurado, desde a sua fundação, não apenas corresponder aos desafios colocados pelas necessidades de desenvolvimento da região onde se situa, como também estar a par dos avanços e inovações que se vem registando nas diferentes áreas de atuação, tanto na formação como na investigação científica e tecnológica que pratica. O IPPortalegre tem em funcionamento 51 cursos, entre Cursos de Técnicos Superiores Profissionais (CTeSP), Licenciaturas, Pós-Graduações e Mestrados em áreas clássicas como a Agronomia, a Educação Básica, a Enfermagem, Jornalismo e Comunicação, Gestão e Engenharia Informática ou, mais específicas, como a Equinicultura, Higiene Oral, Agricultura Sustentável, Tecnologias de Valorização Ambiental e Produção de Energia e Engenharia de Produção de Biocombustíveis.

A investigação científica do IPPortalegre é coordenada pelo Gabinete de Investigação e Inovação e concretizada através de Unidades de Investigação, em particular no campo da bioeconomia circular, através do Valoriza (Centro de Investigação para a Valorização dos Recursos Endógenos) e do Colab BioRef (Laboratório Colaborativo para as biorrefinarias), ambos acreditados e financiados pela Fundação de Ciência e Tecnologias (FCT).

Recentemente lançaram a Licenciatura em Engenharia de Produção de Biocombustíveis. Se não estamos em erro, é a primeira e única no país com esta especialização. Como surgiu esta oportunidade e quais são os objetivos do IPP com esta formação?

A Licenciatura em Engenharia de Produção de Biocombustíveis (LEPB), que arrancou no presente ano letivo, surge como evolução da Licenciatura em Tecnologias de Produção de Biocombustíveis, que começou a funcionar em 2016, após aprovação pela Agência de Avaliação e Acreditação do Ensino Superior (A3ES), no ano precedente.

A criação dessa formação, aliás, em conjugação com a do Mestrado em Valorização Ambiental e Produção de Energia (MTVAPE), surge da constatação da necessidade de dar resposta à procura de quadros qualificados para a futura economia descarbonizada ou de baixo de carbono que já nessa altura começava a ganhar tração.

No momento atual, os compromissos do país e da União Europeia com os objetivos da neutralidade carbónica em 2050, nomeadamente através do European Green Deal, tornam cada vez mais evidente a necessidade de formação de quadros ao nível de uma licenciatura em Engenharia para sustentar o crescimento rápido do setor dos biocombustíveis, em particular dos biocombustíveis avançados que foi sempre o foco principal da formação e investigação levada à cabo no IPPortalegre. Isto, sobretudo, tendo em conta a região onde o IPPortalegre está inserido, e a necessidade de tratamento e valorização dos resíduos orgânicos produzidos em setores de atividade como as florestas, a agricultura, a pecuária, a agro-indústria, o turismo, a hotelaria e a restauração que têm um peso importantíssimo na economia nacional.

Como é que o estudo e a formação nestas matérias podem acelerar os esforços de transição energética em diferentes setores?

Como foi dito, anteriormente, a formação e a investigação feitas na área das bioenergias avançadas no IPPortalegre respondem diretamente à necessidade de aceleração da transição energética nos principais setores de atividade da economia do país.

De facto, procurou-se sempre que a formação tivesse um cariz muito aplicado, desde logo, através da inserção no plano de estudos da LTPB e, agora da LEPB, de unidades curriculares da área da agricultura, da silvicultura e da pecuária, lecionadas pelos colegas da ESAE, que permitem ao estudante perceber a fonte das principais matérias-primas utilizadas na produção de biocombustíveis de 2ª geração e bioenergias avançadas. Por outro lado, procurou-se também, através da organização de visitas de estudo e de estágios, estabelecer relações próximas com empresas dos diferentes setores envolvidos, tais como as geradoras ou gestoras dos resíduos, bem como com as que fazem a valorização energética dos mesmos. Podem-se citar como exemplos, visitas de estudo e estágios realizados junto de instalações fabris da Prio, da GALP, da VALNOR, da Transnil, da Delta, lagares de azeite, entre outras.

Um terceiro vetor especial no âmbito da formação aplicada praticada na LEPB, está relacionado com o uso, já desde o 1º ano, de equipamentos a escala piloto, de produção de biocombustíveis sólidos, líquidos e gasosos, disponíveis no Laboratório de Química e Bioquímica do IPPortalegre e no Laboratório do BioBIP (Bioenergy Business Incubator of Portalegre).

Um quarto aspeto, menos físico, mas de enorme importância pedagógica para a formação aplicada que se pretende imprimir, tem sido a utilização de abordagens de aprendizagem baseadas no desenvolvimento de projetos, na nomenclatura anglossaxónia, Project Based Learning (PjBL). Com efeito, o plano de estudos da LEPB contempla, em cada semestre, à exceção do 6º, o último, uma unidade curricular de integração de conhecimentos de forma aplicada, usando exatamente a abordagem PjBL. São as chamadas Unidade de Transferência (UT). Os problemas colocados aos estudantes vão desde os mais simples, tais como a valorização de resíduos através da compostagem, até à produção e análise de hidrogénio e biocombustíveis tais como o biodiesel, o biogás, entre outros, numa perspetiva de biorrefinação.

Que projetos, além do curso, estão a desenvolver ou planear para o futuro no sentido de reforçar esta área da Bioenergia?

O IPPortalegre tem participado em vários projetos ao nível regional, nacional e internacional na área das bioenergias e da transição energética, em cooperação com diversas instituições empresariais, de investigação e do ensino superior que operam nestes campos. Para referir apenas alguns, citam-se os mais recentes e que têm ou tiveram envolvimento intensivo de docentes associados à LEPB: AmbWTE-Biomass & Wastes to Energy Systems (POCI-01-0247-FEDER-039838),Move2LowC - Combustíveis de Base Biológica (POCI-01-0247-FEDER-046117), SynDiesel – Combustíveis para motores diesel a partir de gasificação térmica de resíduos e culturas dedicada (ALT20-03-0145-FEDER-039485), PigWasteBioRefinery – Biorrefinaria suinícola com base em processos biológicos, térmicos e eletroquímicos – Projeto-piloto móvel demonstrador (ALT20-03-0246-FEDER-000054), RDFGAS – Aproveitamento Energético dos Combustíveis Derivados de Resíduos e Lamas Secas (POCI-01-0145-FEDER-024020 | SAICT-POL/24020/2016) e WIRE-Waste biorefinery technologies for accelerating sustainable energy processes (COST OC-2020-1-24863).

Desde há vários anos que o IPPortalegre organiza ou coorganiza conferências e exposições nacionais e internacionais na área das bioenergias, em especial as conferências Bioenergia Portugal e a Bioenergy International Conference, sendo que esta última terá uma nova edição no próximo ano, em Jaén, Espanha, entre 21 e 23 de fevereiro, numa organização conjunta com a universidade local.

Qual a adesão que têm sentido, por parte de alunos e outros responsáveis, neste curso e o que planeiam para o futuro?

Infelizmente, a adesão tanto ao curso atual, com a nova designação de Engenharia de Produção de Biocombustíveis, como ao anterior de Tecnologia de Produção de Biocombustíveis, por parte dos estudantes portugueses está muito abaixo do que seria expectável numa altura em que muito se se fala, nos meios de comunicação geral da necessidade da transição energética. Aliás, a alteração da designação resultou, em parte, também, da perceção que se tinha de que os estudantes, e as famílias, não conseguiriam discernir as verdadeiras competências de um tecnólogo em comparação com as de um engenheiro. Porém a baixa adesão ao curso, agora com a designação de Engenharia de Produção de Bicombustíveis, faz pensar que não há na sociedade uma consciência plena sobre a necessidade da transição energética e das alterações que essa transição está a impor ao mercado de trabalho e futuro na área das energias, em particular, na área da gestão de resíduos e da sua valorização energética.

O que se pensa fazer para reverter a situação? Em primeiro lugar, intensificar a comunicação com o público em geral, mas também com a comunidade profissional desta área. O público geral, que inclui estudantes, professores dos ensinos básico e secundário, e também as famílias precisam de acreditar na necessidade da transição para fontes de energia não poluentes e renováveis e que essa necessidade está a possibilitar o surgimento de novas profissões, por exemplo especializadas na gestão de resíduos e na sua valorização no espírito da economia circular e da biorrefinação.

Os responsáveis empresariais e autárquicos terão também que ser convencidos de que os quadros especializados em bioenergias, de que precisam nas suas instituições para responder aos desafios colocados pelas diretivas europeias de tratamento e aproveitamento de resíduos, bem como à procura crescente de bioenergias avançadas e gases renováveis, já estão a ser formados e essas novas profissões têm que constar dos anúncios de emprego. E as suas competências deverão fazer parte dos critérios de seleção dos novos empregados e colaboradores.

Nesse sentido estamos a reforçar a presença de docentes, do curso ou do próprio IPPortalegre, em associações e órgãos de comunicação da especialidade, tal como comprovam a recente adesão à ABA (Associação da Bioenergia Avançada) e os artigos de divulgação sobre as nossas oferta formativa e atividade de investigação na área das bioenergias na revista Renováveis Magazine.

Pensa-se, também, intensificar a divulgação do curso através de ações desenvolvidas com as escolas secundárias da região, e não só, por exemplo, através de “Dias Abertos” em que os estudantes vêm participar em atividades práticas nos nossos laboratórios e outras instalações ou através de uma presença mais visível assídua e do curso nos eventos organizados pelo próprio Instituto, tais como o périplo nacional de divulgação da economia do hidrogénio que está a ser conduzido pela Academia do Hidrogénio do IPPortalegre, em colaboração com a AIP – Associação Industrial de Portugal.

O curso tem tido alguma interessante aceitação por parte de estudantes africanos, em particular de Cabo Verde.

Este interesse por parte de estudantes africanos, e eventualmente também do Brasil, poderá ser importante para o reforço da cooperação já existente entre o IPPortalegre e instituições de ensino superior de vários países daquele continente, também ávido por enveredar pelos caminhos de um desenvolvimento sustentável, livre de emissões de gases de efeito de estufa que em muito lhes afeta, nomeadamente através das alterações climáticas refletidas nas secas e outros fenómenos meteorológicos extremos que assolam os respetivos territórios, com cada vez maior frequência e intensidade.