7/9/2021

Descarbonizar a economia: Para além da eletricidade e do hidrogénio

Descarbonizar é a palavra de ordem global, num momento em que se ambiciona a neutralidade carbónica num curto prazo. No entanto, a estratégia não pode passar só por reduzir a utilização de combustíveis fósseis e a dependência energética nacional. Pensar numa economia neutra em emissões é pensar numa economia circular, que evita a sobre-exploração de recursos naturais e valoriza os já existentes, como os resíduos. Pensar numa economia neutra é também pensar em todos os setores e não apenas nos transportes, ainda que este seja o 4.º maior emissor de gases com efeito de estufa na Europa.

Descarbonizar a mobilidade

A descarbonização dos transportes tem sido associada, principalmente, ao elétrico e ao hidrogénio. A sua relevância é indiscutível, mas a adoção rápida e os potenciais impactos colaterais é, sem dúvida, uma questão a colocar.

Se, por um lado, é verdade que a mobilidade elétrica possibilita a redução da pegada carbónica do setor dos transportes terrestres, por outro é importante ter em consideração o impacto resultante da produção e da reciclagem das baterias. Além disso, a pressão na exploração de lítio, mineral utilizado neste componente do veículo, contribui para a sua escassez, prejudicando os outros setores para os quais o é fundamental.

A mobilidade elétrica está muito avançada em Portugal, mas a sua massificação exigirá alguns anos, uma vez que implica, não só a aquisição de veículos por parte dos consumidores, como também a construção de infraestruturas em todo o território nacional que viabilizem a adoção massiva deste tipo de automóveis. Além disso, é, também, necessário considerar a fonte da eletricidade, uma vez que, a pressão da procura por energia elétrica obrigará as operadoras a produzi-la a partir combustíveis fósseis.

Se falarmos em hidrogénio, Portugal está agora a desenvolver a infraestrutura e a definir o mercado para que seja possível disponibilizar esta solução no futuro. A comercialização de veículos movidos a esta alternativa energética está, ainda, a dar os primeiros passos e o mesmo acontece com a criação de postos de carregamento.

No fundo, ambas são possibilidades e realidades para um futuro próximo, mas a urgência da descarbonização do setor dos transportes obriga a pensar em soluções passíveis de serem implementadas hoje.

Assim, a solução passa por assegurar um conjunto de alternativas que permitirão atingir as metas definidas pela União Europeia. Os biocombustíveis têm evoluído significativamente na última década, e em especial nos últimos três anos, e são das soluções mais eficazes, atualmente disponíveis, para descarbonizar o setor dos transportes a curto prazo, uma vez que não requerem investimentos na alteração de frotas, nem necessitam de infraestruturas novas para a sua comercialização, tendo ainda como principal vantagem ambiental a sua contribuição para a transição e para a economia circular.

Os veículos estão preparados para receber gasóleo B15, B20,B30 ou mais, como já acontece em Espanha, França e outros países pelo mundo fora, e a indústria tem capacidade para aumentar a produção. No caso dos veículos pesados, este aumento é ainda mais significativo, uma vez que conseguem utilizar B100, ou seja, 100% biocombustível e 0% combustível fóssil. Com esta alteração, seria possível reduzir em 84% as emissões de GEE, em comparação com o gasóleo e com a gasolina, 80% em comparação com o GPL e 67% face ao elétrico convencional.

Descarbonizar a indústria

Para descarbonizar a economia é preciso repensar, entre outros setores, também a indústria. Neste caso, a solução pode também passar pelos combustíveis reciclados, que, tal como o nome indica, partem de um resíduo marítimos perigosos, como águas contaminadas com hidrocarbonetos, para se tornar matéria-prima. Estes combustíveis, que em tudo são idênticos ao produto de uma refinaria, emitem menos 18% de gases com efeito de estufa, quando comparados com os combustíveis fósseis, e reduzem o impacto ambiental da atividade industrial.

Em solo nacional, são vários os exemplos de empresas que se dedicam à transformação de resíduos em matéria-prima, como é o caso da Eco-Oil, uma das cinco maiores empresas a nível europeu, que, ao tratar as águas contaminadas com hidrocarbonetos provenientes dos navios-tanque que circulam na região do Atlântico Norte, produz combustível reciclado que, só em 2020, reduziu a emissão 3.900 toneladas de gases poluentes.

 

Por fim, importa realçar que impulsionar a utilização destas soluções promove a sustentabilidade económica de Portugal, na medida em que está prevista a criação 3300 empregos, resultantes da atividade produtiva de bioenergia e nas atividades a montante na cadeia de valor, representando 440M€ em investimento e mais de 470M€ em valor acrescentado bruto.

Além disso, seria possível reduzir a dependência energética de combustíveis fósseis em cerca de 8%, bem como potenciar uma gestão de resíduos mais eficiente, valorizando-os.

A investigação e o desenvolvimento são também áreas positivamente impactadas pelo desenvolvimento tecnológico, uma vez que, o desenvolvimento da indústria da bioenergia implica a procura de novas soluções, o estudo das existentes e a descoberta de caminhos para além dos conhecidos.

Se existem as soluções para os transportes e para parte da indústria por que não ir mais além, antecipando 2050? A indústria da bioenergia em Portugal está já bastante desenvolvida, mas tem ainda muito potencial que não está a ser utilizado. A produção de biocombustíveis a nível nacional contribui para a descarbonização da economia, nos diferentes setores em que são integrados, desde os transportes terrestres, aos marítimos, passando pela indústria. Por essa razão e existindo espaço para ir mais além, as metas europeias e nacionais devem ir ao encontro do potencial da indústria portuguesa e impulsionar a neutralidade carbónica em Portugal.