9/21/2023

Entrevista ABA: “É este o papel de uma associação: assegurar que se mantém uma agenda que facilita que os setores representados se desenvolvam mais rápido e melhor”

As metas de descarbonização da UE continuam a pressionar todos os players no setor da energia para acelerarem a sua transição energética. Mas sem apoio, informação ou representação este trabalho pode ser complexo e mais desafiante. Em agosto, a ABA celebrou quatro anos de atuação com esta missão de auxiliar todos os representantes no setor dos biocombustíveis e combustíveis verdes no caminho da sua transição, por um futuro energeticamente mais sustentável. Fique a conhecer mais sobre o balanço destes anos de trabalho com Emanuel Proença, Presidente da associação.

Após quatro anos de atuação, que balanço faz deste percurso?

Olhando para onde está a ABA hoje, vejo que estamos bem e fortes: a associação conta já com 19associados, o que, num setor onde as associações têm tendência para incluir poucas empresas, é ótimo resultado e faz com que tenhamos hoje uma representação um bocadinho mais holística do que são estes setores que trabalhamos.

Em particular, neste último ano tivemos vários marcos positivos para as áreas representadas da bioenergia e continuamos a querer escrever uma narrativa de transformação e de desenvolvimento, que demonstre a utilidade do setor para o país. Naturalmente, há ainda muito a fazer: na ABA assumimos um bom grau de ambição na representação de sub-setores que são muito particulares e que são muito técnicos, e gostaríamos muito que a associação continuasse a garantir a entrada de novos associados, ao longo do próximo ano, de forma a que possamos continuara construir uma agenda positiva de reforma e desenvolvimento dos setores em que todos operam.

A conferência B+ Summit foi um momento de destaque, e termos conseguido trazer para este evento uma representação quase completa da cadeia de valor dos combustíveis verdes para frotas, começando pelos agregadores de matérias primas até aos utilizadores de combustíveis verdes (as frotas, as entidades públicas, as instituições que servem o setor),deu alento a todos. Alcançou-se algo que há três anos teria parecido impossível. Além disso, o facto de isso ter sido feito com muita representação de empresas líderes a nível mundial e de associações de topo europeias, que vieram a Portugal para discutir o futuro do setor em todo o continente, mostrou que Portugal é bem visto internacionalmente nesta área e que está a ter um papel proativo na construção de uma agenda positiva para o setor. Achamos que isso nos posiciona bem e terá muita importância nos próximos anos.

 

Está em desenvolvimento a estratégia nacional do Biometano e a ABA está a trabalhar também numa proposta estratégica sua. Qual é o objetivo desta iniciativa?

Do lado dos combustíveis verdes e dos biocombustíveis estamos onde gostaríamos de estar, e o nosso desafio é continuarmos a manter esta dinâmica positiva para os próximos anos. Do lado do biometano, sentimos que temos espaço para evoluir e para ajudar o setor a desenvolver-se como um todo. Começámos a trabalhar este campo porque vemos nos gases renováveis uma oportunidade de transformação muito importante para o país, sabendo que o hidrogénio verde está já bem representado, mas que o biometano, por ter menos representação e alguma dispersão de atores, merece maior atenção. Na realidade, a produção deste gás renovável está já muito desenvolvida nos países do centro da Europa, e queremos aproximar Portugal desse cenário europeu.

Quando começámos, há quatro anos, um caminho ao lado dos combustíveis verdes e dos biocombustíveis, começámos precisamente por construir o que seria a nossa visão para o que poderia alcançar um setor bem desenvolvido e apoiado. Era uma visão a alcançar até 2025, na altura, com mais ambição do que tinham as políticas públicas à época, e através da qual pretendíamos fazer deste um setor bem apoiado, trabalhado e desenvolvido por si próprio. Esse exercício foi muito bom porque nos ajudou a montar o quadro pelo qual depois guiámos boa parte das intervenções públicas – sejam elas do lado mediático, do lado do contacto comas várias instituições que vão definindo política, da legislação e também da forma de trabalho do setor.

No caso do biometano, o exercício é o mesmo. Queremos, em conjunto com os associados que estejam a trabalhar esta temática, pensar num nundo, num país, em que o biometano se assume como uma das prioridades de desenvolvimento. A partir daqui, queremos fomentar um quadro global de objetivos que poderão ser alcançados se tudo se fizer com 100% de foco nesta área, criando uma boa coordenação entre instituições, sociedade, ONG’s e empresas do setor, atuais e futuras. Esta estratégia e as metas definidas são importantes para que possamos falar a uma só voz e para que possamos ter ideias bastante claras sobre o que propor para fazer o setor crescer.

 

Num panorama em que o próprio setor está em constante desenvolvimento, que desafios têm sentido quanto tentam chegar à grande diversidade de players na área?

Tudo o que é diversidade gera o risco de dispersão, seja de mensagem, seja de efeitos, o que é em si só um desafio. Neste momento, estamos muito satisfeitos com os espaços de atuação em que estamos a trabalhar, incluindo tudo o que serve combustíveis verdes e gases renováveis. Quando definimos de forma clara onde queremos atuar, tudo se junta e faz sentido. Por exemplo, para produzirmos gases renováveis, precisamos muitas vezes de resíduos e, portanto, normalmente esses resíduos até têm, em vários momentos, confluência com os resíduos que já usamos para os combustíveis verdes. E quando produzimos combustíveis verdes queremos levá-los cada vez mais ao consumidor final, e queremos produzir combustíveis verdes cada vez mais avançados e em maior quantidade – a estrutura de grupos de trabalho da ABA replica este raciocínio, e cobre as quatro áreas de maior interesse para o setor: (1) produção de biocombustíveis avançados, (2) produção de gases renováveis, (3) recolha e preparação de matérias primas residuais para ambos, e(4) combustíveis verdes do futuro (na vertente industrial e de acesso às frotas).

Se queremos realmente eliminar o uso de petróleo e seus derivados e assegurar uma adequada transição energética, os vários setores que podem contribuir para ela têm de ter uma representação forte e uma agenda convincente. É isso que a ABA está a fazer, ao trabalhar esta visão cinco ou dez anos antes para assegurar que se implementam cedo políticas e incentivos adequados para que, quando esse prazo terminar, já estejam instaladas as fábricas (que por vezes demoram entre 4 e 8 anos amontar) e haja resultados de dimensão. Ao mesmo tempo, é fundamental trabalhar para que estes combustíveis verdes cheguem cada vez mais às frotas, mais adaptados aos veículos.

Todas estas áreasacabam por ter pontos de confluência muito interessantes e muitos dosassociados da ABA cruzam os seus caminhos precisamente pela confluência detemas, trabalhando em conjunto para uma visão comum.

 

Sentem que a falta de informação aos representantes e gestores de frotas, assim como outros players, ainda é um grande entrave? E qual o papel da ABA nesse sentido?

É um enorme entrave, mas está também em desconstrução. Cabe-nos a nós guiar esse caminho, incentivando todos a arregaçarem as mangas e tentando fazer com que o sistema corresponda um bocadinho mais ao que nós defendemos. Porque os associados da ABA estão a fazer precisamente isso, hoje já há muitos casos de estudo, muitos exemplos práticos de descarbonização de frotas de empresas de referência através de combustíveis verdes. E por isso mesmo, há três anos, a falta de informação ou de esclarecimentos era um entrave muitíssimo maior do que é hoje – e estou convencido que, dentro de três anos, será muitíssimo menor.

A ABA tem a missão importante de articular os vários atores e construir uma agenda comum, defendendo-a perante os media, grupos parlamentares, governo e todas as outras entidades do Estado que precisam de ajudar a remar a favor da indústria mais verde, para que a indústria possa pôr-se em ação. E tem também o dever de ser mais um veículo de divulgação privilegiado para os bons casos que o setor vai montando.

A indústria hoje já não se demite do seu papel proativo, de investir para fazer mais e de apresentar as suas propostas à sociedade e às entidades públicas para que se trabalhe cada vez mais em conjunto. A ABA tem trabalhado nesse sentido, e tem trabalhado também com ONG’s, antes vistas como entidades com as quais era muito difícil trabalhar. Ter desconstruído isso e ter percebido que é preciso trabalharmos em conjunto para alcançar os melhores resultados é um passo importante que também já conseguimos dar. Poder fazer isso também com os operadores de grandes frotas, responsáveis por um consumo de energia considerável e que são os clientes finais destas fileiras, e demonstrar em conjunto com eles que há vias alternativas de descarbonização mais rápidas e em certos casos melhores do que algumas das outras, também mostra como estamos num bom caminho.

 

O que esperam alcançar nos próximos anos com os vossos associados?

Esperamos continuar este caminho, nas várias frentes, sabendo que isso exige dinamismo nos vários grupos de trabalho e novas soluções, assim como a adaptação de soluções que já propusemos aos obstáculos que fomos encontrando. O B+ Summit mostrou-nos que podemos criar algo muito bem feito e que irá ajudar estes setores que representamos. Também mostrou que um evento desta envergadura e com esta ambição é complexo e trabalhoso, o que nos obriga a gerir os esforços com cautela para evitar dispersão entre os players a quem queremos chegar. Nesse sentido, teremos novidades positivas para anunciar nos próximos meses. É este o papel de uma associação: assegurar que se mantém uma agenda positiva e cooperativa, que facilita que os setores representados se desenvolvam mais rápido e melhor. E o país precisa disso.