7/6/2023

Entrevista Beyond Fuels: "Acredito que vamos continuar a fazer dos biocombustíveis o principal contribuidor para a redução da pegada carbónica na mobilidade”

Depois de iniciar a carreira em Consultoria para a digitalização de serviços, energia e sustentabilidade e redução da pegada ecológica das empresas, Rui Santos integrou os CTT como Diretor de Produto na área de Soluções Empresariais, dedicado à digitalização e produtos mais inovadores dentro dos CTT. Com o objetivo de auxiliar as empresas nacionais no seu processo de transição energética, em 2021, co-fundou a BeyondFuels, um novo operador de energias verdes para o setor da mobilidade e transportes. Fique a conhecer mais sobre a Beyond Fuels, associada da ABA e que em apenas um ano e meio de atuação já contribuiu para evitar a emissão de 500 toneladas de CO2 na mobilidade.

Sabemos que a Beyond Fuels também promove o uso de biocombustíveis feitos a partir de resíduos. Como tem sido esse trabalho? E de que forma podem estes contribuir para a descarbonização dos transportes pesados?

Temos assistido a uma crescente atenção sobre o tema da descarbonização, mas muito focada nos veículos elétricos. É uma solução que funciona bem para os ligeiros, mas no caso dos transportes pesados não se consegue implementar da mesma forma. Por isso, sentimos a necessidade de reforçar os biocombustíveis avançados como resposta eficaz nesta transição energética e apoiar os gestores de frota nos seus planos de descarbonização. 

Fazemo-lo primeiro através de um apoio mais consultivo, ao delinearmos um plano de descarbonização de acordo com as necessidades de mobilidade que existem, e sugerimos diferentes tecnologias e alternativas para maximizar o objetivo de descarbonizar. Depois trabalhamos na implementação e acompanhamento deste plano. Trabalhamos em conjunto com a Prio, pioneira no campo dos biocombustíveis avançados, o que significa que na fase de implementação conseguimos também oferecer ferramentas logísticas para que os combustíveis verdes cheguem efetivamente ao cliente. 

Também em parceria com o Instituto Politécnico de Leiria conseguimos fazer uma monitorização e avaliação de diferentes componentes nos veículos, o que ajuda a eliminar barreiras e dúvidas que possam existir à partida por parte dos gestores de frotas.

No caso dos veículos pesados, os biocombustíveis avançados são a única alternativa financeiramente sustentável para os operadores. Existe um conjunto de necessidades específicas destes que dificultam a eletrificação dos pesados no formato que se observa nos ligeiros (um mercado sobretudo urbano onde as distâncias são menores e a possibilidade e tempo de carregamento se multiplicam), portanto é preciso encontrar alternativas para um mercado diferente, onde impera a longa distância.

Depois, é preciso perceber que as empresas de transportes precisam de bastante tempo para estudar e otimizar a sua operação, bem como qualquer mudança que se queira desenvolver. Quando se faz a transição para outra energia, é quase como começar do zero: é preciso repensar rotas e redes de abastecimento, o que dificulta a mudança tão abrupta para os operadores.

Por fim, o investimento em veículos pesados é avultado para as empresas, contribuindo para prolongar o seu uso numa média superior a 15 anos e chegando mesmo aos 20 anos em circulação. Assim, os gestores de transportes preferem soluções e tecnologias mais maduras no mercado para garantir que conseguem recuperar o seu investimento e que são rentáveis, dando aqui destaque aos biocombustíveis pela fiabilidade que já apresentam e confiança por parte das empresas.

Que evolução sentem por parte dos clientes (frotas, pesados…) na adoção e procura por soluções sustentáveis para a sua mobilidade? Que dificuldades ou desafios revelam de forma mais recorrente e como podem ser resolvidos?

Temos sentido uma grande procura por estas soluções. Muitas empresas têm grandes planos para reduzir ou neutralizar as suas emissões de carbono, tanto da sua parte como em toda a cadeia de valor e junto dos fornecedores. Nos últimos anos, foi notório um esforço por parte das empresas em eletrificar os veículos ligeiros - mas quando se trata dos pesados, não tomam qualquer ação porque não sabem o que existe. Assim, quando apresentamos as nossas soluções, é um momento de descoberta e de resposta às suas preocupações. 

O grande desafio está na desmistificação de crenças sobre os biocombustíveis, que se estendem dos responsáveis de frota às oficinas, passando pelos representantes das marcas. Nesse ponto, sentimos que é importante informar e esclarecer todos os envolvidos para eliminar barreiras e preconceitos, mostrando que não existe risco nesta mudança.

O segundo desafio está em ganhar força de mercado para os biocombustíveis. Precisamos de mais players a introduzir inovação nestes produtos e a colocá-los com mais força e diversidade no mercado. No total, os biocombustíveis contribuem para 96% da descarbonização na mobilidade, através da sua incorporação nos combustíveis tradicionais. A Prio, por exemplo, já comercializa em alguns postos o seu Eco diesel, um produto que incorpora 15% de biocombustível, mais do dobro do que a maioria de outras marcas oferece. Basta escolher esta mangueira de abastecimento para reduzirmos de imediato 18% do CO2 emitido pelo nosso veículo.

Como é que a complementaridade de fontes pode responder de forma mais imediata às metas de descarbonização impostas pela UE?

Esta conversa não é recente, mas é necessária. Já foi uma discussão na transição da rede elétrica e, hoje, comprova-se que este mix é necessário. Mais de metade das fontes de energia elétrica em Portugal é renovável, o que é muito positivo, mas é a complementaridade com outras fontes que assegura o abastecimento da rede.

Cada fonte tem as suas especificidades e, no seu conjunto, contribuem para reforçar a resiliência do sistema elétrico. 

Na mobilidade, acontece exatamente o mesmo. Em Lisboa, há cerca de 500 mil carros a circular todos os dias, com uma expressão enorme nas emissões de gases poluentes na cidade. Os veículos elétricos são uma solução que continuará a crescer exponencialmente, mas dificilmente será viável tanto para a rede elétrica como para a experiência dos consumidores se todos esses 500 mil carros forem elétricos.. Nesse sentido, a complementaridade com outras fontes de energia verde, como os biocombustíveis, é mais uma resposta eficaz e imediata para conseguirmos impactar positivamente o ambiente e envolver todos os condutores nesta transição energética.

Como vê o setor dos biocombustíveis de resíduos em Portugal e na Europa daqui a 10 anos?

Acho que vai ter uma penetração significativa nos veículos pesados. Os compromissos para as metas europeias de 2030 vão começar a exigir respostas urgentes por parte das empresas e, nesse momento, vão compreender como os biocombustíveis são a resposta a seguir. À medida que mais empresas conheçam esta solução e haja maior pressão para cumprir esses objetivos de descarbonização, acredito que este consumo se generalize e se disponibilizem misturas de biocombustíveis cada vez mais ricas. 

Em 10 anos, acredito que teremos uma rede disseminada e que mais players tenham migrado para estas soluções, influenciando outros a seguir o seu exemplo e continuando a fazer dos biocombustíveis o principal contribuidor para a redução da pegada carbónica na mobilidade em Portugal.

Na Beyond Fuels, já estamos a contribuir para abastecer cerca de 100 veículos com biocombustíveis avançados e temos conseguido encontrar soluções de incorporação que resultem para toda a frota do cliente. Assim, tem sido possível trabalharmos até com multinacionais, prestando apoio próximo para que estes consigam cumprir com os seus compromissos de sustentabilidade. 

Em conclusão, com os biocombustíveis avançados, é possível descarbonizar as frotas pesadas já hoje, sem perdas de rendimento, sem problemas técnicos, sem custos de investimento, sem alterações logísticas e com custos operacionais controlados.