7/9/2021

Entrevista Prio: “Produzimos, anualmente, 90 mil toneladas de biodiesel a partir de óleo alimentar usado, evitando a poluição da quantidade de água equivalente ao consumo normal de 200 milhões de pessoas. “

A Prio é a maior produtora de biocombustíveis, produzidos a partir de matérias-primas residuais, em Portugal e a 3ª maior a nível europeu.

A fábrica, localizada em Aveiro, tem capacidade para produzir cerca de 90 mil toneladas de biodiesel por ano, destinado à incorporação no gasóleo que comercializam, mas também no combustível de outras marcas a nível nacional e internacional.

A inovação está no ADN da Prio e, por isso, os seus laboratórios e as entidades com quem trabalham estão também a estudar outras tipologias de resíduos, como os óleos de borras de café, e atentos às novas tecnologias de produção de biocombustíveis líquidos e gasosos. É pela necessidade de ir mais além que a Prio tem desenvolvido inúmeros projetos de investigação.

Entrevistámos a Diretora da Fábrica Prio, Anabela Antunes, para conhecer melhor a empresa e o trabalho que tem desenvolvido no sentido de impactar positivamente a transição energética em Portugal, no presente e no futuro.

Que produtos tem a Prio desenvolvido para responder aos desafios da transição energética e perpetuar o seu legado de inovação?

AA: O foco da Prio é a constante otimização da tecnologia instalada e a procura por novas soluções tecnológicas para melhor contribuir para os desafios da transição energética. Assim, desenvolvemos produtos que respondem às necessidades dos consumidores, contribuem para a transição energética e impulsionam a economia circular. Produzimos biocombustíveis avançados, a partir de resíduos, que, no caso dos provenientes do tratamento de óleos alimentares usados, emitem cerca de 80% menos CO2, face ao diesel tradicional.

Acreditamos que os biocombustíveis avançados são hoje a solução de transição mais rápida, mais eficiente e mais justa, uma vez que não requerem a construção de novas infraestruturas.

Em Portugal, todo o gasóleo tem uma incorporação de 7% de biocombustíveis, em volume. No Eco Diesel, desenvolvido e comercializado pela Prio, esta percentagem é de 15%, o que significa uma redução adicional de 18% as emissões de CO2, desde a matéria-prima ao produto final. Este combustível é compatível com a maior parte dos veículos no mercado e, só em 2020, permitiu aos portugueses percorrerem 10 milhões de quilómetros de uma forma mais verde e mais eficiente, uma vez que os testes mostraram reduções na ordem dos 5% do consumo, num trajeto misto.

A pensar nos veículos pesados, a Prio desenvolveu o Zero Diesel, um combustível líquido 100% sustentável, que permite reduções de emissões GEE na ordem dos 84%. Os benefícios deste produto ficaram comprovados no projeto piloto que desenvolvemos com a Carris: consumos mais baixos do que os previstos e sem complicações de manutenção. Isto são ótimos resultados para nós, mas, acima de tudo, para o ambiente e para o país.

Desenvolvemos também combustível verde para navios, o Eco Bunkers, que à semelhança do Eco Diesel, é também composto por 15% de biodiesel. Adicionalmente, a Prio disponibiliza ainda eletricidade verde através dos seus postos de carregamento para veículos elétricos, presentes nos seus postos de abastecimento.

Para o futuro, a Prio ambiciona chegar a soluções, como o biometano, o hidrogénio verde e outras que possam surgir.

 

Qual o papel dos biocombustíveis avançados na transição energética?

AA: Os biocombustíveis são relevantes pelo facto de possibilitarem uma transição energética mais rápida, mais justa e mais eficiente, uma vez que não dependem da aquisição de novos veículos, de substituição de frotas, ou de construção de infraestruturas, que exigem tempo. Acreditamos que todas as soluções têm um papel e que os biocombustíveis são soluções complementares para o presente.

Em conjunto com a Associação de Bioenergia Avançada, desenvolvemos um estudo para averiguar o potencial de incorporação das marcas e veículos que estão no mercado e a verdade é que, no caso dos ligeiros, é possível alcançar um B20, B30 e, no caso dos pesados, alguns suportam B100, ou seja, 100% biodiesel, 0% diesel. Assim, é possível implementar estes níveis de incorporação, que trariam amplos benefícios para o país, não só pelo desenvolvimento desta indústria, como pelo aumento da taxa de penetração das renováveis nos transportes e pela diminuição da dependência energética.

 

Como surgiu o projeto Top Level de recolha de óleos alimentares usados?

AA: Para produzirmos o biodiesel, a recolha de óleos alimentares usados é essencial. Por isso, em conjunto com a HardLevel, a Prio desenvolveu o projeto “Top Level”, que surgiu, em 2017, do facto de termos tomado conhecimento de que, segundo a Agência Portuguesa do Ambiente, apenas 10 ou 15% do óleo alimentar que era colocado no mercado, era recolhido.  

Sabendo que um litro de óleo polui um milhão de litros de água e que os setores da restauração e hotelaria têm uma legislação muito rigorosa sobre a recolha destes resíduos, esta diferença alertou-nos para a necessidade de implementar um projeto de promoção da economia circular. Assim, criámos uma rede de oleões a nível nacional, desde o oleão mais simples ao avançado, que funciona como uma máquina de vending. A garrafa para fazer a recolha em casa é facultada em alguns postos de abastecimento Prio, onde a pessoa pode também entregar depois de cheia. É aqui que começa o ciclo.

Além deste projeto, apostamos muito na sensibilização para a reciclagem, divulgado o ciclo de vida do biocombustível e dos óleos alimentares usados, e o que temos visto é que a quantidade de óleo que nos chega tem vindo a aumentar, o que indica que estamos a fazer um bom trabalho - estamos a chegar às pessoas.

Participamos também no programa Eco-Escolas, em que lançamos um desafio, adaptado ao nível de ensino, desde a primária ao ensino superior, e os alunos têm de cumprir com as suas ideias. No primeiro ano, correu tão bem que chegámos a editar um livro de histórias debanda desenhada.

Assim, os objetivos para o futuro do projeto Prio Top Level é alargar a rede de oleões, a nível nacional, e continuar a sensibilizar a população para a importância da recolha dos óleos alimentares usados.

Que impacto que poderá ter, em termos ecológicos, a adoção destes biocombustíveis?

AA: Sabendo que um litro de óleo alimentar usado pode poluir até um milhão de litros de água e que, na Prio, produzimos, anualmente, 90 mil toneladas de biodiesel a partir de óleo alimentar usado, então, num ano, evitamos a poluição da quantidade de água equivalente ao consumo normal de 200 milhões de pessoas.

Há uns anos, fizemos um estudo sobre o potencial de redução de emissões GEE se trabalhássemos com misturas mais ricas e os resultados mostraram que poderíamos ter reduções de 20% a 30% de CO2 equivalente e aumentar a percentagem de energias renováveis no setor dos transportes entre 20 e 35% e, assim, reduzir a dependência fóssil em valores na ordem dos 5% a 7%.

 

Existe, em Portugal, indústria para alcançar incorporações de B20, B30 com biocombustíveis produzidos em Portugal?

AA: Atualmente, a indústria instalada ainda não está a utilizar a sua capacidade máxima. Ainda existe muito potencial para colocar à disposição do país e para servir o setor dos transportes.

A oportunidade que a RED II traz é exatamente esta possibilidade de, por um lado, migrarmos dos combustíveis fósseis para os biocombustíveis, mas também de desenvolvermos a indústria, grande parte ainda de primeira geração, muito focada em óleos vegetais virgens(colza, soja), mas com muito potencial para se desenvolver. Além do que já existe, sentimos que há ainda espaço para novas soluções, à medida que as metas se tornam cada vez mais ambiciosas. E Portugal tem a missão de, não só, as cumprir, mas também de as superar, uma vez que o nosso Plano Nacional de Energia e Clima espelha essa ambição.

Outra questão importante é a questão da legislação europeia. É necessário ter em conta que cada país é único e tem a sua própria indústria, as suas próprias limitações. Temos de adequar a estratégia de Portugal à sua capacidade – valorizar a indústria já instalada, permitir que alcance a sua capacidade máxima, reduzir a dependência energética, aumentando a produção nacional.

Sabemos que a eletrificação será muito lenta e que outras soluções como o hidrogénio ainda estão a dar os primeiros passos. É por isso que o aumento da incorporação dos biocombustíveis deve ser considerado como um complemento fundamental para a transição energética, uma vez que utilizam as infraestruturas atuais, potenciam a indústria nacional, reduzem a dependência energética e são uma solução de valorização dos resíduos que produzimos.

 

A Prio acredita em combustíveis sintéticos como forma de travar a subida das emissões poluentes na indústria automóvel atual?

AA: A solução não passa por uma ou outra tecnologia, mas sim por um mix energético, aquele que for mais favorável para o país. Aqui cada país terá o seu, sendo que o nosso não terá de ser igual ao de outro país pela indústria instalada.

Contudo, acredito que os combustíveis sintéticos também farão parte do futuro porque, se quisermos mesmo eliminar tudo o que é fóssil, mesmo reaproveitando todo o tipo de resíduos e havendo um foco na economia circular, pode não ser suficiente para descarbonizar todo o setor dos transportes – do marítimo ao aéreo.

 

Qual a visão da Prio para a mobilidade e para o setor energético daqui a 5/10 anos?

AA: A par do elétrico e do hidrogénio verde, a Prio acredita que podemos acelerar a transição energética se aumentarmos o contributo dos biocombustíveis avançados.

Sabemos que os veículos pesados são menos eletrificáveis do que os ligeiros. Sabemos que é possível migrar, no imediato, para uma situação de redução de emissões significativa, visto que já existem muitos veículos aptos para receber misturas mais ricas. Além disso, também é importante notar o valor que acrescentam ao país pelo seu papel na recuperação e valorização de resíduos.

Assim, o que perspetivamos para o futuro é um setor da energia em efervescência. Tanto os biocombustíveis, como as misturas mais ricas serão uma realidade, a par dos veículos elétricos e dos movidos a hidrogénio verde. Acreditamos na complementaridade das soluções.

 

Tendo em consideração que a transposição da Diretiva RED II se aproxima, o que gostaria de ver aplicado a nível nacional?

AA: Existe uma questão particular desta Diretiva, que é o seu foco no desenvolvimento de biocombustíveis a partir de resíduos, discriminando, no anexo IX (Parte A e B), as matérias-primas que devem ser consideradas. A Parte A é dedicada às matérias-primas, cujo desenvolvimento industrial e tecnológico é prioritário para a União Europeia e a parte B, por considerarem que já está implementada (o que, em alguns países, é verdade e noutros não) está sujeita a um valor máximo de 1,7%, o que, em Portugal não faz sentido porque já estamos muito acima deste valor. Este CAP existe para acelerar o desenvolvimento de países que ainda estão numa posição menos favorável, mas para os que já se encontram a trabalhar com valores acima, não se justifica estarem a ter em conta este valor. Cumprir este valor significa um retrocesso para Portugal.

Por isso, da RED II, gostaria de ver alterado este CAP e que fossem definidas metas mais ambiciosas, uma vez que a RED II foi definida há muitos anos e hoje já se pensam em metas mais significativas. Aliás, a própria UE está a fazer revisão e já existe a RED III na mira. Por fim, gostaria também que esta Diretiva permitisse misturas mais ricas, através de alinhamento entre as várias leis que regulam o setor para incluir mais matérias-primas do que as descritas, dando mais flexibilidade a cada produtor, tendo em conta a tecnologia disponível.  

Que outros projetos gostaria de destacar?

AA: Gostaria de destacar o esforço que a Prio fez para transformar a sua fábrica, primeiramente desenhada para trabalhar com óleos virgens, colza, soja e palma, numa estação de tratamento de óleos alimentares usados.

Começámos a incorporação destes resíduos, em 2013. No início, pensávamos que não seria um processo tão complicado, visto que se tratava do mesmo resíduo, com a mesma base química (triglicerídeos), mas acabou por ser uma tarefa muito árdua. À medida que surgia um problema, tínhamos de parar o processo e estudar uma forma de o ultrapassar. O que fazemos hoje não tem nada que ver com o que fazíamos em 2013. A inovação que conseguimos implementar é impressionante e isto deve-se à equipa fantástica que trabalha connosco, empenhada em fazer melhor todos os dias, em procurar constantemente novas soluções. Foi isso que permitiu transformarmos esta fábrica de primeira geração numa fábrica com incorporação de 85% a 90% de matérias-primas residuais.

Trabalhar com resíduos é sempre uma incerteza porque nunca sabemos o que está dentro da embalagem onde é entregue o óleo alimentar usado. Hoje, separamos o óleo alimentar usado por origem porque a sua qualidade depende do regime alimentar, da área geográfica onde é recolhido. O óleo recolhido em Portugal é muito diferente do proveniente do Norte de África, da Ásia, do Norte da Europa, em termos de características físico-químicas. Este é outro do desafios, fazer sempre o mesmo produto, com matérias-primas tão diferentes.

Assim, além do desenvolvimento de soluções para a transição energética e de projetos de sensibilização para a valorização dos resíduos, este é outro caso de sucesso que gostamos de mencionar.