Os consumidores em Portugal estão cada vez mais despertos para a proteção do ambiente e cientes da importância da seleção dos resíduos que produzem. No entanto, e apesar dos avanços que tem sido possível observar, há ainda um caminho que é preciso percorrer para que uma economia verdadeiramente circular possa emergir como um novo modelo de produção e consumo, que promova uma gestão mais sustentável dos recursos finitos de que dispomos no planeta que habitamos.
Ana Calhôa, Secretária-geral da Associação de Bioenergia Avançada (ABA), afirma que, de facto, “há uma adesão crescente por parte dos consumidores à entrega dos seus resíduos para reciclagem e aproveitamento”, e destaca o papel central da sensibilização “para aumentar a sua informação, confiança e participação nestes processos, nos quais as autarquias locais têm um papel de relevo para o seu sucesso”.
A opinião é partilha por Ana Trigo Morais, CEO da Sociedade Ponto Verde, que indica que “temos consumidores cada vez mais conscientes do ponto de vista ambiental e social e que procuram produtos que cumpram com estes requisitos, exigindo às marcas transparência nestas matérias”.
A responsável indica que “um consumidor mais informado e exigente” será mais participativo na preservação do ambiente e “vai optar por consumir de forma mais consciente e responsável, e isso reflete-se nas suas escolhas diárias”, privilegiando “embalagens que gerem o menor impacto no pós-consumo”. Mas “há ainda muito que esclarecer os consumidores, elevando a literacia ambiental que permita escolhas mais esclarecidas”.
Por sua vez, César Henriques, CEO da EcoX, uma entidade que tem como principal missão “transformar ‘lixo’ em produtos de valor acrescentado” e um projeto que venceu recentemente o Bfk Awards da Agência Nacional de Inovação, explica que, em Portugal, “temos uma população cada vez mais informada e consciente das potencialidades da economia circular”, mas que, no contexto total nacional, “a população que consume produtos com este conceito é ainda pouco representativa”.
Para potenciar uma economia circular robusta e efetiva e para que seja possível reduzir a quantidade de resíduos produzidos, é fulcral mudar perceções, e fazer com que o ‘lixo’ deixe de ser visto como o fim de um percurso, e que passe a ser encarado como uma parte do desenvolvimento de sociedades mais sustentáveis e menos poluidoras.
César Henriques conta-nos que “o que consideramos ‘lixo’ pode ajudar a tornar o planeta mais sustentável”, pois a sua valorização e integração em cadeias de circularidade permitem reduzir as emissões de gases poluentes de resíduos depositados em aterros. Por outro lado, “a incorporação deste ‘lixo’ em novos produtos evita também a extração de recursos naturais (processos maioritariamente complexos), reduz a energia necessária para obter estes novos produtos e assim reduzimos também as emissões de CO2”, convertendo os resíduos em “nova matéria-prima”.
Ana Trigo Morais aponta que “tudo aquilo que, até há uns anos, era considerado ‘lixo’, deve ser hoje encarado como recursos e, por isso, designado de ‘resíduos’ que, com a devida valorização, geram riqueza”, evitando ou, pelo menos, reduzindo “o uso de matérias-primas virgens para criar novos produtos, poupando e preservando o capital natural do nosso planeta”. E avança que “só em 2021, a poupança de emissões de CO2 gerada pela reciclagem promovida pela Sociedade Ponte Verde situou-se em cerca de 300.000 toneladas”.
“O que para muitos é considerado ‘lixo’ é, na verdade, muito valioso numa economia que ser pretende cada vez mais circular e para um planeta que precisa de caminhar rumo à sua sustentabilidade”, sentencia.
Ana Calhôa considera que, no que toca ao consumo, “têm crescido opções que disponibilizam produtos oriundos deste reaproveitamento, o que demonstra como a população está alerta para as alternativas, sensibilizada para a redução de desperdício e preocupada com a sustentabilidade”.
Mas podem todos os resíduos ser valorizados e integrados numa economia circular? César Henriques observa que “à data de hoje, diria que da forma como os produtos são desenvolvidos e produzidos nem todos podem entrar na cadeia da economia circular” e defende que “a indústria deve repensar a forma como desenvolve e produz os diferentes produtos”, para que possam ter uma vida útil mais extensa e “para que tenham o mínimo de contaminantes desnecessários para que a sua reincorporação em novos produtos seja mais facilitada”.
A esse respeito, Ana Trigo Morais sublinha que “numa ótica de economia circular, os produtos devem, desde a sua conceção, ser pensados e desenhados para não gerarem resíduos”, destacando a importância do chamado ‘ecodesign’, uma abordagem que as empresas e marcas devem adotar para que os seus produtos “possam continuar o seu ciclo de vida por outras formas de valorização”.
Quanto aos biocombustíveis, Ana Calhôa elucida que “neste momento, há possibilidade de aproveitar resíduos provenientes de óleos alimentares usados (OAU), resíduos de margarinas, molhos ou conservas, e outros resíduos da indústria agro-alimentar, que, de outro modo, seriam desperdiçados em aterro ou de forma incorreta, poluindo o meio ambiente”.
No que toca a Portugal, Ana Trigo Morais diz que “assistimos a um esforço coletivo, a nível nacional, regional e sectorial, para acelerar a transição para o paradigma da economia circular” e destaca o “Plano de Ação para a Economia Circular, que acompanha o contexto europeu e que cruza com ações e medidas integradas em vários documentos como o PRR ou o PERSU, este último essencial para a cadeia de valor dos resíduos urbanos, onde a Sociedade Ponto Verde atua”.
Contudo, reconhece que “temos ainda pela frente uma enorme margem de progressão significativa nesta matéria”, designadamente no que toca a resíduos produzidos por atividades relacionadas com os têxteis e com a construção.
Destacando a economia circular como “uma grande oportunidade” para o país, César Henriques indica que já dispomos de “um sistema de recolha de ‘lixo’ bastante interessante, mas para potencializar uma economia ainda mais circular precisamos de alargar a diversidade de recolha (recolher mais tipos de resíduos) e responsabilizar todos os cidadãos e empresas pelo ‘lixo’ que cada produz”.
Por sua vez, Ana Calhôa coloca a ênfase na informação e educação de “todos os participantes” sobre “o potencial que os seus resíduos representam”, destacando que “há um enorme valor energético no que hoje consideramos ‘lixo’ e precisamos de levar esta mensagem de circularidade a todos os stakeholders”.
“Assim, é essencial informar a população, pressionar de algum modo o poder decisor para a mudança e reforçar a legislação para acompanhar, acelerar e fortalecer esta estratégia de valorização dos resíduos”, afiança.
Ler Mais