21/10/2020

Entrevista a Emanuel Proença (Prio): “Os biocombustíveis avançados são altamente complementares à mobilidade elétrica”

Na era da eletrificação em que cada vez mais os construtores automóveis se afastam dos tradicionais motores de combustão interna alimentados por combustíveis fósseis, a transição para uma sociedade ‘limpa’ em termos de emissões poluentes encontra um outro desafio, face ao elevado número de automóveis ainda com motores térmicos que se manterão na estrada por mais uns anos. Esta condição torna-se tanto mais relevante no sentido em que o processo de eletrificação irá decorrer a diferentes velocidades em diferentes partes do mundo.

A resposta para estes de forma a atingir-se a neutralidade carbónica estará também nos combustíveis sintéticos, produzidos de forma sustentável e pensados para reduzir ou eliminar as emissões de dióxido de carbono para a atmosfera.

P: Numa fase em que cada vez mais se advoga a eletrificação da mobilidade, que significado podem ter os biocombustíveis no panorama atual?

Emanuel Proença: Enquanto que a mobilidade elétrica parece estar finalmente a descolar e a ganhar dimensão, os biocombustíveis ganharam dimensão logo na primeira metade da década de 2010, por poderem ser misturados diretamente no gasóleo e, dessa forma, substituir parte de um recurso derivado de petróleo, nos mesmos carros que sempre se usaram.

Os biocombustíveis avançados, esses, só agora estão a começar. Diferem dos primeiros por serem mais avançados tecnologicamente, e por serem produzidos a partir de matérias primas residuais, isto é, por serem um resultado puro da economia circular, em que se recupera resíduos que seriam altamente poluentes se não fossem aproveitados e transformados em energia líquida. (...) Os biocombustíveis avançados são, portanto, altamente complementares à mobilidade elétrica.

P: Que impacto é que poderá ter, em termos ecológicos, a adoção destes biocombustíveis (por exemplo na redução das emissões poluentes)?

EP: Cada litro de Eco Diesel (15% renovável) reduz até 18% as emissões de CO2 que dele resultam face ao gasóleo puro convencional, (...) mas também porque permite consumos ligeiramente inferiores ao gasóleo a cada 100km, melhorando a lubrificação do veículo, tornando-o de uma forma global mais eficiente.

Cada litro de Zero Diesel (100% renovável) reduz até 86% as emissões de CO2 (...) e muitos dos veículos pesados já se encontram preparados para os usar. É nesses que advogamos que se deve assegurar a utilização de soluções como esta o quanto antes.

Acrescem a isto os efeitos ambientais indesejados que são evitados ao reciclarmos os óleos alimentares usados, permitindo a valorização dos resíduos. A título de exemplo, um litro de óleo alimentar usado que é recuperado evita que sejam poluídos até mais de um milhão de litros de água, num lago, num rio ou no mar.

P: Ainda assim, os biocombustíveis tendem a ter um custo mais elevado em comparação com os tradicionais. Como é que se poderá esbater essa diferença ou, por outro lado, estarão os clientes/condutores dispostos a pagar um extra pelo valor da eficiência energética?

EP: Os consumidores tendem a não ver de forma clara o custo das outras alternativas de transição energética na mobilidade, por este estar perdido entre nova infraestrutura, veículos mais caros (subsidiados), e outros custos para o sistema, mas esta é uma questão muito importante para um país que está hoje a tomar decisões que estão a incentivar mais umas tecnologias do que outras.

A diferença de custo é hoje residual (falamos de 1% ou 2% de um produto que depois de impostos custa na ordem de 1€ a 1,5€) e, com o aparecimento de novas tecnologias que aproveitem melhor os resíduos de menor valor, esta diferença ainda tenderá a esbater-se mais ao longo do tempo.

P: Será realista acreditar em combustíveis sintéticos como forma de travar a subida das emissões poluentes na indústria automóvel atual?

EP: Haverá combustíveis sintéticos, desde que os incentivos certos sejam colocados à indústria. Da mesma forma, com as políticas certas, haverá biocombustíveis avançados em grande escala, tal como haverá cada vez mais veículos elétricos, a gás ou a hidrogénio e outras soluções que só agora se estão a desenvolver. O futuro da mobilidade é assente em multi-tecnologia, e cada vez mais sustentável. Se conseguirmos, enquanto país, montar políticas adequadas que incentivem todas estas soluções pela mesma medida, e se conseguirmos ter atores económicos capazes de continuar a inovar e desenvolver tecnologia de ponta, teremos os ingredientes certos para chegar onde todos queremos: uma mobilidade que nos continue a proporcionar desenvolvimento e qualidade de vida, gerando riqueza para o país e para o mundo sem pôr o futuro do nosso planeta em risco.

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