Karim e Salim, os dois irmãos de origem indiana que lideram a Hardlevel, que se apresenta como líder em Portugal na gestão e pré-tratamento de óleos alimentares usados, com uma faturação de 58 milhões de euros, estão a abrir o capital da empresa para escalar o negócio a nível mundial. Filhos de um pai de origem indiana nascido em Moçambique e de uma são-tomense com família transmontana, Karim e Salim Karmali viveram a sua infância e juventude em Lisboa, onde se licenciaram - Karim, hoje com 38 anos, em Biologia, sendo pós-graduado emEngenharia Sanitária; Salim, de 34 anos, é licenciado e mestre em Medicina. E juntos decidiram, bastante cedo, oleai’ a sua irmandade numa aventura empresarial.
Em novembro de 2006, quando tinham 25 e 21 anos, respetivamente, constituíram a Hardlevel, com um incentivo público a fundo perdido de 39mil euros, no âmbito de um programa de apoio ao empreendedorismo do Instituto do Emprego e Formação Profissional (IEFP). “Começámos como pequeno produtor de biodiesel, mas percebemos que não conseguíamos escalar o negócio, pelo que, em 2011, decidimos focalizar a nossa atividade no fornecimento de matéria-prima com especificações ‘premium’ para esta indústria”, conta Salim Karmali ao Negócios. Com sede em Gaia e fábrica em Avança, Estarreja, tem desde então vindo a criar uma rede global de gestão e pré-tratamento de óleos alimentares usados à escala mundial, apresentando-se como líder nacional no fornecimento desta matéria-prima para a produção de biocombustíveis avançados.
“Temos uma rede de 1.250 oleões contratualizados com mais de 50 municípios e, no chamado canal Horeca, mais de sete mil pontos de recolha em restaurantes”, contabiliza o administrador da Hardlevel. No ano passado, a empresa produziu e forneceu “cerca de 80 mil toneladas” destes óleos a refinarias de biocombustíveis, como a Prio e a Galp. Mas Portugal está longe de conseguir dar autonomia nacional a esta indústria. Apenas “cerca de cinco mil toneladas tiveram origem no mercado nacional”. Com centros operacionais e empresas subsidiárias em Espanha, Holanda, Bélgica e Malásia, “foi aqui que recebemos e fizemos o pré-tratamento a 75 mil toneladas de óleos de mais de 60países, os quais seguiram depois diretamente para as principais fábricas de biodiesel e refinarias de biocombustível europeias”, descreve o administrador da empresa.
A chegar à China e à América No ano passado, a Hardlevel “faturou 58 milhões de euros, mais 10 milhões do que no ano anterior”, tendo nos últimos dois exercícios acumulado lucros próximos dos três milhões de euros. Entretanto, surgiu a covid-19. “Claro que fomos afetados na cadeia de fornecimento - a restauração, a nível mundial, acabou por estar encerrada durante três meses - e de escoamento de matéria-prima para os clientes”, admite Karim Karmali.
Mas já “começa a recuperar para níveis pré-covid, com o retomar da economia”. Atendendo à contração da hotelaria e restauração, “está ativamente a procurar novos mercados no sentido de compensar a prospetiva diminuição de quantidades disponíveis de óleo alimentar”. Mais:“Temos já prevista a expansão da nossa atividade para a China, no último trimestre deste ano, e para o continente americano, no segundo trimestre de 2021”, adianta Karim. Previsão: processar e comercializar mais de 100 mil toneladas em 2020, para atingir vendas de 75/80milhões de euros, e ultrapassar os 100 milhões em 2021.
Produzir biodiesel a partir de lamas e cascas de frutos Desenvolvida uma atividade que, “até à data, permitiu a poupança na emissão de mais de um milhão de toneladas de CO2”, a Hardlevel - Energias Renováveis quer escalar a cadeia e oxigenar ainda mais o negócio. Nesse sentido, pretende abrir o capital da empresa, “que pode passar pela entrada de um sócio maioritário”, para “desenvolver a consolidação setorial, numa lógica de aquisição de empresas que operam noutros países, assim como instalar, no próximo ano, uma fábrica de produção de biocombustíveis avançados de 50 mil toneladas anuais, em Palmeia”, revelou Salim Karmali.
O projeto está orçado em 33 milhões de euros e deverá criar 50 postos de trabalho qualificados. “Já comprámos o terreno, que tem uma área de 100 mil metros quadrados”, afiança. A nova fábrica vai produzir biodiesel através do processamento de matérias-primas como óleos e gorduras provenientes de lamas de depuração de ETAR, efluentes das extratoras e refinarias de óleos virgens, óleo de cachos e cascas de frutos, entre outros.
Do ponto de vista estratégico, a decisão da Hardlevel “enquadra se na implementação da nova diretiva europeia de renováveis para o horizonte2020-2030”, realça Guilherme Corrêa Monteiro, partner da Blue Garnet, empresa especializada em “corporate finance” mandatada para conduzir a operação. Ora, essa diretiva europeia, salienta, “estabeleceu um ‘target’ global de 32% para os países da União Europeia no consumo de energias oriundas de fontes renováveis, aliando-se ainda a um aumento progressivo nos mandatos de incorporação de biocombustíveis nos combustíveis fósseis”. Salim afiança que a operação, “já na fase de análise de propostas, está assegurada” e deverá ficar“concluída em setembro”. Com a nova fábrica, a Hardlevel estima consolidar uma faturação próxima dos 150 milhões de euros em 2022.Paixão londrina à transmontana
A família paterna dos irmãos Karmali, que tem origem em Karachi (Paquistão) e índia (estado de Gujarat), viria a fixar-se em Nampula,Moçambique, onde o pai de Karim e Salim nasceu. Com 16 anos, Amin Karmali regressou à então metrópole antes de viajar para Inglaterra, onde se doutorou em Bioquímica no King's College e se apaixonou por Maria Nunes, uma são-tomense de família transmontana, com quem teve Karim, em Londres, em 1981. Em 1983 viajam em definitivo para Lisboa, onde Amin é docente no ISEL. Salim nasceu já em Lisboa, em1985. Os dois irmãos tornam-se empresários e vão viver para Gaia. O mais velho casou-se com uma portuguesa, tem duas filhas e é portista. O mais novo diz que é do SLB com “uma costela” do FCP - “fui do Porto até aos cinco anos, quando o meu pai me subornou...”
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