Portugal está a usar menos de 40% da capacidade total que tem para a produção de biocombustíveis. Segundo a Associação de Bionergia Avançada (ABA), o país tem a capacidade de produzir cerca de 770.000 metros cúbicos de biocombustíveis por ano, no entanto, em 2021, os nove principais produtores a nível nacional — Prio e Galp (ambas associadas da ABA), Iberol, Torrejana, Sovena, Bioevegetal, Repsol, Bioportdiesel e a Bioadvance – The Next Generation — produziram cerca de 275.000.
Para a secretária-geral da associação, para aproveitar ao máximo as capacidades do país e aumentar a produção das indústrias será necessário dar um “impulso” — seja através de investimento em novos projetos, ou através do “desbloqueio” do teto máximo da incorporação física de “misturas mais ricas” nos combustíveis fósseis. “A verdade é que [a produção] já está bastante desenvolvida a nível nacional. Acho que nos podemos orgulhar, e muito, do que temos e da nossa qualidade da produção, porque já é boa. Mas podemos ir mais longe”, afirmou Ana Calhôa, em declarações ao ECO/Capital Verde.
No mais recente relatório da ABA é revelado que, de 2020 para 2021 e de 2021 para 2022, houve um aumento gradual da incorporação física de biocombustíveis nos combustíveis fósseis em Portugal. Citando os dados da Entidade Nacional para o Setor Energético (ENSE), depois de se ter registado um nível de incorporação de 2,8% em fevereiro de 2020, a integração destas substâncias tem vindo a subir, tendo atingido o valor mais alto de sempre em abril de 2022: 8,1%. Esse valor entrou, no entanto, em declínio, e em agosto situou-se nos 4,9%, ficando ainda mais longe da meta nacional de 11%.
Já no que toca à incorporação de biocombustíveis avançados nos combustíveis fósseis — isto é, o recurso à biomassa lignocelulósica, resíduos industriais e culturas vegetais não alimentares ricas em celulose — esta fechou o ano de 2021 em alta. Segundo os dados da ENSE, a meta de incorporação de biocombustíveis avançados foi superada em mais do dobro da meta mínima obrigatória de 0,5% em teor energético, fixada em 2020, alcançando os 1,7%, no ano passado.
“Acredito que conseguimos ter metas mais ambiciosas e [na ABA] defendemo-las, porque Portugal tem essa capacidade de resposta”, continuou, acrescentando que parte dos níveis de incorporação é derivada não só da importação de biocombustíveis mas também da capacidade de produção. “A verdade é que nós não estamos a usar toda a capacidade que temos de produção. Nós ainda podemos utilizar mais“.
Os níveis de incorporação de biocombustíveis são percetíveis da parte dos consumidores através de símbolos presentes nas bombas de gasolina. Ao gasóleo e à gasolina são atribuídas as letras B, dentro de um quadrado, e E, dentro de um círculo, respetivamente. Os números que lhes sucedem dizem respeito à percentagem de biocombustível incorporado nos combustíveis fósseis. Ou seja, o B7 significa que o gasóleo contém 7% de biocombustíveis incorporados e o E5 explica que a gasolina contém 5% de biocombustíveis incorporados. Em Portugal, o B7 e E5 são os mais comuns, ainda que a Prio tenha em alguns dos seus postos de abastecimento também disponível o B15.
Até onde é possível aumentar os níveis de incorporação? A secretária-geral da ABA dá um exemplo: a primeira carreira de autocarros lançada pela Carris e pela Prio, em 2019, cuja frota consumia biodiesel 100% livre de energia fóssil, produzido a partir de óleos alimentares usados, ou B100.
“A verdade é que os resultados foram ótimos, tanto que o projeto continua até hoje”, continua a secretária-geral. “Isso significa 100% de biocombustíveis e 0% de combustíveis fósseis e acho que seria essa a transição que deveríamos fazer. Por isso, acho que é muito limitativo, atualmente, estarmos no B7″, frisou, anunciando que na União Europeia está a ser discutida uma nova diretiva que defina o B10 como o nível padrão.
“Sendo nós, Portugal, um país tão bom a nível de produtores de biocombustíveis, acho que poderíamos utilizar a vantagem que temos, porque é uma das formas de fazer a transição [energética] na mobilidade marítima, aviação e rodoviária; reduzir, substancialmente, a dependência dos combustíveis fósseis e contribuir para a redução das emissões de gases com efeito de estufa (GEE)”, argumentou. Segundo a ABA, a substituição direta de combustíveis fósseis por biocombustíveis líquidos de resíduos e outros avançados representa uma redução de emissões de GEE de, pelo menos, 83% em relação ao gasóleo e de 67% face ao elétrico convencional.
Questionada sobre se os baixos níveis de incorporação estão relacionados com os custos deste processo, Ana Calhôa garante que “existem outros fatores decisivos sobre os níveis de produção, mais do que os custos”, entre eles a legislação. “Deverá ser criada mais legislação no sentido de agilizar a transição energética e fomentar a produção e uso desta alternativa. Também é necessário reforçar a educação de todos os players do mercado sobre os biocombustíveis avançados e o seu potencial, informando desde o cidadão comum ao potencial produtor, passando por entidades de recolha de resíduos e órgãos com poder decisor”, frisa a secretária-geral.
E, numa altura em que os combustíveis tradicionais voltam às subidas, a dirigente da ABA ressalva que o peso dos biocombustíveis representa cerca de 5% do valor final cobrado aos consumidores finais, frisando ser “um valor residual considerando o impacto positivo no meio ambiente, sendo reduzida a emissão de gases de efeito de estufa, que é essencial para alcançar a neutralidade carbónica até 2050”.
Antes da entrega do Orçamento do Estado para 2023 (OE 2023), a Associação Portuguesa dos Produtores de Biocombustíveis (APPB) lançara um apelo para que a nova proposta orçamental estabelecesse novas metas de incorporação de biocombustíveis. Na altura, a associação defendia que as novas metas na gasolina e no gasóleo subissem até 14% face aos atuais 11%, mas o documento entregue pelo ministro das Finanças Fernando Medina, deixa de fora qualquer menção a estes combustíveis.
“A meta deve, sem dúvida, subir. Não se deve manter nos 11%”, considera Ana Calhôa, defendendo que Portugal deve chegar a 2030 com um teto de 20% de incorporação de biocombustíveis nos combustíveis fósseis rodoviários.
O apelo também se aplica aos objetivos referentes à incorporação de biocombustíveis avançados que, atualmente, está em 0,5%. “E a verdade é que temos condições para ter uma meta de 1,5% ou até mesmo 2%. Olhando para aquilo que já foi feito em 2021, em que atingimos uma percentagem de 1,7%, torna-se claro do que somos capazes”, remata.
Ler Mais