A Associação de Bioenergia Avançada acredita que é da nova indústria de biocombustíveis avançados sustentáveis que virá o "grande salto" para "acelerar definitivamente" a transição energética nas estradas portuguesas. Um estudo promovido pela ABA mostra números "animadores" mesmo em ano de pandemia já que, apesar da forte quebra de consumo em 2020, fruto do confinamento e do recurso generalizado ao teletrabalho por parte das empresas, a produção de biocombustíveis em Portugal desceu apenas 10% para 301.390 metros cúbicos (m3). E, destes, 3% foram já de biocombustíveis avançados, correspondentes a quase 10 mil m3.
Isto permitiu reduzir em igual número as importações de petróleo, diz a ABA, e poupar à balança carbónica nacional cerca de 25 mil toneladas de emissões. Um valor que é "mais do dobro" do CO2 que a indústria dos camiões e autocarros a gás natural indica ter poupado em 2020, pode ler-se no estudo, que lembra que o uso de gás natural nos pesados é uma indústria com quase 20 anos de desenvolvimento no país" e que compara com "o ano zero da subindústria dos biocombustíveis avançados sustentáveis.
E o que são estes biocombustíveis? São todos aqueles produzidos a partir de resíduos, como é o caso dos óleos alimentares usados, gorduras animais, resíduos sólidos urbanos, molhos, borras de café, etc... "Embora no caso dos óleos alimentares usados ou das gorduras animais, em Portugal haja já a maturidade tecnológica suficiente, há espaço para crescer e há todo um novo mundo de novas matérias-primas que estão a ser estudadas e descobertas", explica Ana Calhôa, secretária-geral da ABA.
Constituída em agosto de 2019, a ABA representa os operadores da bioenergia avançada em toda a sua cadeia de valor, ou seja, vai desde os produtores de biocombustíveis avançados, como a Prio ou a Bioport, aos transformadores, como a Resiway, os recolhedores de resíduos, como a Hard Level ou a Ecomovimento. São nove os associados, num universo que inclui ainda duas associações europeias, a EBA, do biogás, e a Ewaba, dos biocombustíveis avançados, e a Planetiers. O volume de negócios dos associados ronda os 300 milhões de euros e, para breve, está prevista a entrada de mais "duas grandes empresas", mas Ana Calhôa não dá pormenores, para já.
Numa altura em que o país centra a sua aposta na mobilidade elétrica e no hidrogénio verde, a ABA pretende que todas as soluções energéticas sejam colocadas em cima da mesa e tidas em igual atenção. Até porque, lembra Ana Calhôa, "apesar das suas inúmeras vantagens, tanto a eletrificação como o hidrogénio verde são soluções que vão levar algum tempo a terem impactos diretos nesta transformação". Embora tenham ficado de fora do Plano de Recuperação e Resiliência, os biocombustíveis de segunda geração são "a via mais rápida, eficaz e justa" de fazer a descarbonização, em especial no segmento dos veículos de transporte, aquele onde a transição energética é um desafio maior. "A bioenergia consegue reduzir em 80 a 99% as emissões de CO2 comparativamente aos combustíveis fósseis. São mudanças muito significativas, com efeitos imediatos, e que ajudam a reduzir a dependência energética do país. Tudo o que conseguimos colocar em bioenergia avançada deixamos de consumir em combustíveis fósseis", diz Ana Calhôa. Além disso, acrescenta, é uma energia que não obriga a grandes alterações ao nível dos veículos que, já hoje, "estão preparados para receber misturas mais ricas".
Do governo, a ABA quer "sinais claros" que permitam à indústria investir em novas tecnologias para continuar a desenvolver o segmento dos biocombustíveis avançados. A começar pela transposição da diretiva europeia RED II, em que a ABA pede ao executivo que estabeleça metas mais ambiciosas. "Torna-se essencial observar o que está a ser feito em toda a UE para que Portugal não fique desalinhado nem perca oportunidades únicas de se tornar líder nas renováveis, nomeadamente nos biocombustíveis avançados", defende a associação, que pede que seja assegurada a manutenção e alargamento do regime de dupla contagem, bem como a exceção ao CAP de 1,7% previsto na RED II para os óleos alimentares usados e as gorduras animais. "Impor um CAP de 1,7% para nós seria um retrocesso muito significativo na transição energética", diz Ana Calhôa.
Além disso, a ABA pretende que o governo promova misturas mais ricas de bioenergia e, sobretudo, que promova essa mensagem junto dos consumidores. O padrão do mercado impõe um limite máximo de 7% de biocombustíveis, o chamado B7, no gasóleo, e de 5 ou 10% na gasolina, a E5 ou E10, mas os veículos vêm já homologados de fábrica para uso de B30 ou E30 (30% de incorporação). Isto obriga a alterar a legislação existente, mas é uma medida que permitiria "impulsionar a economia do país, de forma sustentável", promovendo investimentos de 440 milhões de euros e que permitiriam gerar até 880 novos empregos. A importação de combustíveis fósseis seria reduzida em 7,8% e as emissões de CO2 em 32%.
Entrevista publicada no Dinheiro Vivo
Ler Mais